Nossos pensamentos já voavam
com os comentários de João Cobú, quando ele próprio nos convidou a observar
mais atentamente ao redor. Os detalhes eram muito importantes para nosso
estudo. Ao longe, divisamos um grupo de espíritos de aparência estranha. Pareciam
zumbis que perambulavam pelas ruas sem saber ao certo aonde iam. Aproximamo-nos
lentamente, mantendo, contudo, distância razoável, considerada adequada para
observações mais amplas sem comprometer a segurança de nossa diminuta equipe. Os
espíritos em foco se assemelhavam a mortos-vivos; arrastavam-se penosamente
pelo chão do planeta, olhar perdido, como se representassem um papel num filme criado
pela imaginação de algum louco por aí.
— São os sonâmbulos —
sentenciou Pai João, depois de dar um tempo para nossa inspeção. O médium Raul
parecia atento a cada detalhe, porém mais parecia um gato, arredio,
desconfiado. Mantinha-se mais afastado, sem, contudo, perder os detalhes. Pai
João continuou:
— Muitos querem vir para o
lado de cá da vida através da chamada viagem astral, mas ignoram que
enfrentarão aqui uma vida real, e não uma ilusão dos sentidos. Não se preparam
através de estudos e intentam conhecer o país além da esfera física sem ter
informações precisas a respeito de seus habitantes, costumes e geografia5.
— É tão sensato como fazer, na
Terra, uma longa viagem internacional sem a mínima noção sobre a cultura a ser
visitada — comparou Raul, com ironia.
— Exato — retomou o pai-velho.
— Com isso, ao se defrontarem com o panorama que ora presenciamos situado na
dimensão contígua à esfera física humana, alcançam pouco proveito em suas realizações.
O fascínio que até então os movia se dilui ante a realidade encontrada.
Apavoram-se ao deparar com seres com os quais não sabem se relacionar. Em sua
fantasia, esperam penetrar diretamente, sem escalas, em regiões superiores,
onde desfrutariam da companhia de mentores e mestres do pensamento
espiritualizado... Decepcionam-se amargamente, pois se veem em regiões
sombrias, próximas à Crosta, à morada dos homens, totalmente desprovidas de elementos
idílicos ou angelicais. Como se não bastasse, notam que o perfil dos habitantes
desse mundo extrafísica não confere com descrições recheadas de fantasia que
muitos apresentam como informações mediúnicas confiáveis.
"Tais espíritos,
semelhantes a zumbis, constituem apenas um dos grupos entre os muitos que ignoram
quem são ou qual é sua situação na erraticidade6. Esse contingente de espíritos
ignorantes compõe a maior parte da população terrena. Segundo as estatísticas
atuais a que temos acesso, são aproximadamente bilhões de seres que, em suas
existências, transitam entre as dimensões, ora no plano físico, ora no
extrafísico. Com características diferentes entre si, em sua grande maioria são
como esses sonâmbulos. Compondo esse grupo, há desencarnados que caminham por
todo lado à procura de vitalidade, em geral encontrada junto aos encarnados. Em
seguida, acoplam-se a suas auras e absorvem inconscientemente o tônus vital de
milhares de seres humanos. Como fantasmas, perambulam pela Terra, uma vez que
durante suas existências físicas não entraram em contato ou não se relacionaram
intimamente com a realidade do espírito. Portanto, permanecem ignorantes de sua
vida de espírito. Suas mentes vagam entre o pesadelo de sua conduta na última
existência e a falta de referência para uma vida mais espiritualizada. Como
disse, essa situação de absoluta inépcia é o quadro típico que verificamos na
grande massa de desencarnados do planeta Terra."